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Edmilson de Oliveira Muniz
Edmilson de Oliveira Muniz

EM MARÇO/2011, O EX-INTERNO DO PADRE BRANDT, EDMILSON DE OLIVEIRA MUNIZ, VEIO A SÃO LUÍS E A ARARI-MA VISITAR PARENTES E AMIGOS, OPORTUNIDADE EM QUE FIZ COM ELE A ENTREVISTA ABAIXO. AS INFORMAÇÕES AQUI EXPOSTAS JÁ CONSTAM, DE MODO MAIS DETALHADO, NO LIVRO DE MEMÓRIAS DO ILUSTRE EMPRESÁRIO PAULISTA, EDMILSON MUNIZ, A SER PUBLICADO FUTURAMENTE (Hilton Mendonça).

 

 

HM – Edmilson, em que ano tu saíste do Paiol, Vitória do Mearim, para ser interno do Padre Brandt?

EDMILSON – Foi em fevereiro ou março de 1960. Eu nasci em 1946; em 1958/1959, eu morei dois anos na casa de Zé Pereira (Cachimbinho) e em 1960 meu pai decidiu me levar para o internato, com 13 anos de idade, incompletos. Fiquei lá de 1960 a 1961, quando terminei o primário e passei os anos de 1962 e de 1963 na tranquilidade do Paiol, em Vitória do Mearim-MA.

 

HM – Quantos internos vivam na casa do padre?

EDMILSON – Na minha época, éramos quase 40 pessoas.

 

HM – Como foi a história da bilha; tu não quebraste a bilha do padre?

EDMILSON – Quebrei. Quebrei. Isso foi logo que eu cheguei. O padre foi celebrar missa no interior, que eles chamavam de desobriga, e aí a gente vivia com muita fome, nos alimentávamos muito mal, e aí uma noite combinamos: vamos roubar leite? Tinha aquele leite da Cáritas, que era uma instituição americana que ajudava países pobres. E eles mandavam muito leite para o Brasil; foi muito leite em pó para o Arari, mas era um leite de um gosto meio esquisito, talvez porque precisasse de algum produto para conservá-lo. Então combinamos: vamos roubar leite; vamos roubar leite. E o lugar onde ficava o leite era trancado; era o padre quem tinha a chave. Eu fui tentar abrir uma janela, puxei um tijolo que tinha lá e o diabo do tijolo caiu em cima da bilha do padre. HM – Bilha que continha água? EDMILSON – Era. Era a bilha que o padre deixava a água assentar, para beber, porque a água de Arari era muito suja. HM – Mas era só tu nessa empreitada? EMILSON – Não, nós éramos uns dez! E, quando o padre chegou, o padre me chamou; eram umas sete horas ou sete e meia, na hora do café, e eu já fiquei morrendo de medo. E o padre perguntou? - Foi você quem quebrou a bilha? Foi, sim, senhor, respondi. – Por quê? – Porque eu estava com fome e tentei pegar um pouco de lei pra mim. – Você mais quem? Não, padre, eu tava eu só. E o padre disse, mais ou menos assim: - Você queimou seu cartucho. Daqui pra frente, se errar de novo o pau vai quebrar... HM – Mas há tempos tu me falaste que teve um interno que informou o padre quem tinha quebrada a bilha... EDMILSON – Foi Anastácio que falou que era eu. Por isso, que o padre me chamou. HM – Anastácio estava entre os dez? EDMILSON – Não, Anastácio não participava dessas coisas; era um cara comportado... HM – E quem na verdade eram os dez? EDMILSON – Os dez devia ser Manoel Gomes, Iron, Homero, que era de Pindaré, o Charles, que era de Santa Luzia, e tinha o Jackson, que um cara todo queimado aqui assim [no pescoço]. HM – Qual desses tu lembras o nome completo? EDMILSON – Homero de Sousa Sá.

 

HM – Dessa turma, com quem tu tiveste contato, depois disso?

EDMILSON – Ninguém. A única pessoa que me deu informação de alguém foi o padre antes de morrer, quando eu me formei[em Direito], que teve aquela missa lá em Arari, e eu perguntei e ele disse: - Edmilson, eu não tenho notícia de ninguém. Aí, tinha um rapaz que era interno, antes de eu chegar, que ele era extremamente inteligente, muito inteligente (não lembro o nome dele), mas era um garoto pobre, carente, e ele terminou todos os anos de estudos em Arari, foi para o Rio de Janeiro e lá se tornou médico.

 

 

HM – E aquele episódio dos internos que iam fugindo do internato?

EDMILSON – Foram Manoel Gomes, o Charles e o Iron. Os dois últimos eram daqui de São Luís. Coronel, Coronel Cascavel, tem visto o Iron por aqui. Josenir conhece o Iron. A fuga foi num domingo à tarde; quando deram umas duas horas da tarde, eles pularam a cerca lá, pegaram aquele tesão e foram embora. Aí o Anastácio foi lá e falou para o padre “Padre, o Iron, o Charles e o Manoel Gomes fugiram”. E o padre falou: - Vai chamar o José Calixto, pra vir para cá com o Jippe. Aí, o padre foi atrás dele e, a certa altura, eles ouviram o barulho do Jippe e caíram no mato. O padre foi até lá na frente, mandou o Jippe ficar lá e voltou a pé. Aí, pegou os três, e bateu muito neles.

 

HM – O  padre dava aula de que disciplina?

EDMILSON – Nessa época, ele dava só aula de religião e aula de cânticos.

 

HM – Quem tu viste o padre agredir?

EDMILSON – Uma vez eu vi, numa aula de cântico, ele dar uma porrada na cara de Zé Ericeira... Hilton, mas foi uma coisa tão humilhante... Foi lá na igreja. Ele mandou Zé Ericeira tirar o hino e Zé Ericeira era uma rapazinho e acho que ficou com vergonha, e talvez a voz dele estivesse mudando e ele teve dificuldade de cantar, com a melodia do hino e cantou desafinado, e o padre deu uma porrada na cara dele... Meu Deus do céu! Todo mundo ficou apavarodo. Eu vi ele fazer isso com Zé Ericeira e vi ele fazer isso com Silvino, filho de Zé Padeiro, irmão de Marcelino Everton. Por que que ele bateu no Silvino? Lembra aquele salão grande onde antigamente era feita a projeção de filme? Então, ali naquele salão, bem na porta, funcionava o primeiro ano e mais no fundo funcionava o segundo ano. Aí, o padre tava dando aula e o Silvino se levantou e ficou como se tivesse procurando o padre, olhando por uma aberturazinha que  tinha, na divisória das salas. Rapaz, o padre veio de lá, e bateu tanto no Silvino, mas bateu, bateu, bateu... Hilton, eu tremia de medo desse cara. HM – Ele bateu só com a mão? EDMILSON – Foi. Eu vi ele bater de cacete só nos três fujões. Cacete de cedro que ele tinha. Ele deu uma porrada tão grande na cabeça do Iron, que o cacete rachou, e o sangue desceu!

 

HM – Ninguém nunca reagiu a essas agressões?

EDMILSON – Não, nunca. Era um medo enorme. E assim: os pais eram capazes de aplaudir; davam todo o apoio pro padre bater. Era a cultura da época...

 

HM – E a alimentação do internato, como era?

EDMILSON – Horrível, horrível. HM – O que é que vocês comiam lá? EDMILSON – Arroz e carne, mas a carne era cozinhada só no sal; não tinha tempero, além do sal. Eu passava muito mal lá; comia muito mal, não gostava da comida de lá. Muitas vezes, a gente deixava de comer lá dava dinheiro para uma pessoa comprar farinha e açúcar pra nós, lá no Carne Seca.

 

HM – Qual era a rotina que o padre tinha lá no internato?

EDMILSON – Acordava as 6 horas da manhã, ia na porta do nosso quarto, lá todo mundo dormia na rede, batia na porta e dizia: - Vamos ao banho. Aí, todo mundo levantava rapidinho, pegava a toalha e vinha pro cais. HM – Ah, o banho era lá no cais, no rio Mearim??!! EDMILSON – Lá no cais. Quem que tinha choveiro, rapaz?... HM – Então, aquela macharada todinha ia passando pela lateral da igreja e se jogava no rio Mearim? EDMILSON – Era, era. Eu até conto nas minhas memórias, que tinha um interno chamado João Batista, que de tanta fome, pegava aqueles pedaços de melancia que vinha boiando e ia comer lá no fundo. HM – Rárárá... Rapaz, mas a alimentação de vocês era complicada, né?

 

HM – Quem cuidava das compras e da cozinha?

EDMILSON – Não lembro quem fazia as compras, mas a cozinheira chamava dona Nadir, que morava em uma casa quase em frente à casa de Clodomir, lá na Rua da Beira.

 

HM – Tu estavas lá no internato na época que o padre tocava a música Avantes Camaradas, para chamar os aliados dele?

EDMILSON – O que eu vi foi o momento em que Milton Ericeira ameaçou quebrar a gráfica, e a turma que tava do lado padre era Tonico Santos, Manoel de Sousa, os Bogéas, toda aquela curriola que era do time do padre.

 

HM – E os teus professores eram quais?

EDMILSON – Maria Clara, foi minha primeira professora, do primeiro ano; Madalena, não sei era Fernandes ou era Ribeira; lembro que tinha o narizinho arribitado; no terceiro ano, era a Laís, muito inteligente; e, no quarto ano, era a Raimunda Ramos, que foi um ícone de ensino, uma pessoa muito culta, que dominava o Português. HM – Tem foto dela no meu site.

 

HM – Desses internos do padre, quem eram os que tinham mais condições financeiras?

EDMILSON – Era o Homero. Ele era de Pindaré, e só ia pra lá e voltava, de avião.

 

HM – Qual o carro que o padre usava na época?

EDMILSON – O Jippe. E quem dava o Jippe para o padre era Neiva Moreira, que era deputado federal.

 

HM – E quem comandava a gráfica.

EDMILSON – José Carneiro. HM – Carneiro Sobrinho? EDMILSON – É. José Carneiro Sobrinho; não sei se ainda é vivo. HM – Estar vivo. É advogado aqui, em São Luís.

 

HM – Acesso o site e mostro a foto da professora Raimunda Ramos.

EDMILSON – Olha, rapaz, a professora Raimunda Ramos. Era inteligente. Eu me lembro até hoje de um exemplo que ela deu: - Julio César, famoso imperador romano, foi morto por seu filho, Brutos. A pergunta era para identificar, gramaticalmente, esse trechinho que estava entre as duas vírgulas, que era aposto.

 

HM – Obrigado, Edmilson, por essa valiosa entrevista.