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Jesus da Graça Rodrigues(Jesus Gato)
Jesus da Graça Rodrigues(Jesus Gato)

EM 3/1/2011, ENTREVISTEI O ILUSTRE ARARIENSE JESUS DA GRAÇA RODRIGUES, VULGO JESUS GATO. EIS O TEOR DA NOSSA CONVERSA.

 

HM – Seu Jesus, a sua infância foi vivida em Arari?

JESUS – Foi. Eu nasci em 1931 e fui criado só por minha mãe. Nós morava(sic) na Rua Teodoro Antonio Batalha, perto da casa do finado Quida, Zuza de Quida. Hoje, lá defronte, é Zé Carlos, do Correio.

 

HM – Quem eram os seus vizinhos?

JESUS – Era Firmino Abafador, Laudir, Crescêncio e Umbelino Fernandes.

 

HM - Seu Jesus, em qual colégio o sr. estudou em Arari?

JESUS – Eu estudei no Arimatea Cisne. (Eu até ajudei a construir o Posto Médico Milton Ericeira, que funcionava onde hoje é a prefeitura. Comecei como apontador, depois passei a ser mestre da obra). Estudei até a metade do 5º (quinto) ano primário, no Arimatea. Era década de 1940.

 

HM – Como e quando foi a sua admissão na Capitania dos Portos?

JESUS  Foi em 1962 que comecei, por conta de uns trabalhos eleitorais que fiz em Arari. Antonio Garcia era meu padrinho e ele me apresentou para Vitorino Freire por conta desse trabalho eleitoral que fiz. Newton Belo me arranjou uma nomeação pra cá, pra São Luís, mas mamãe não quis, pra eu não deixar ela sozinha. Como ela morreu em 1959, eu falei com o senador Vitorino para me arranjar um emprego, e Zé Fernandes fez uma carta com meu nome completo e endereço e eu entreguei para ele, aqui na Delegacia do João Paulo, onde eu trabalhava. Isso foi 31/1/1962, e 3/maio/1962 eu fui nomeado para a Capitania. Em junho eu recebi um cabograma de Vitorino.

 

HM – Cabograma?

JESUS – Era. Por que era passado pelo fundo do mar, numa repartição chamada Cabo Submarino. Vitorino Freire passou para mim, do Rio de Janeiro, mas eu só recebi quase um mês depois, num dia de sábado, por que ninguém conhecia Jesus da Graça Rodrigues. Aí meu cunhado me identificou e me levou o cabograma. Mas eu tinha só 30 dias para tomar posse. Achei que tinha perdido o prazo para tomar posse, mas aí eu falei com Kleber Moreira e ele disse: “Jesus até segunda-feira tu ainda tens direito, por que o último dia caiu sábado, e sábado não conta”. Se tivesse caído sexta, aí tava perdido. Aí, segunda-feira, cedinho eu tava esperando Zé Burneu, que me mandou para o palácio, e lá peguei o Diário Oficial da minha nomeação.  Aí, Zé Burneu me disse: “Agora, tu vais logo aí na Capitania, te apresentar”. Aí, eu fui e tomei posse, aqui em São Luís.

 

HM – E como foi que o sr. foi trabalhar em Arari?

JESUS – Na capitania de Arari eu trabalhei só 6 (seis) anos, a mando daqui. Foi de 1969 a 1975.

 

HM – Que serviço o Sr. fazia na agência de Arari?

JESUS – De escrituração. Todo serviço de escrituração das embarcações que trafegavam pelo Mearim.

 

 

HM – O sr. lembra dessas embarcações?

JESUS – Só a Aracaty Campos tinha sete lanchas. A mais importante era a Estrela Branca. Era a menina dos olhos dos governadores, dos políticos, por que ela era mesmo que nem um hotel, com dois andares; era muito luxuosa.

 

HM – Além da Estrela Branca, quais eram as outras lanchas?

JESUS – Tinha Aurora, Estrela do Mar, Estrela Astréia e outras que não me lembro mais. Elas faziam o trecho de Arari, Bacabal e Pedreiras. Iam e voltavam.

 

HM – E quem eram os comandantes dessas lanchas?

JESUS – Eram Antonio Fernandes, Humbelino Fernandes e Manduca Fernandes, três irmãos, todos mestres de lancha. Manduca era pai de Dico Silva. Esse Antonio Fernandes era comandante da Estrela Branca. Ele era rígido mesmo, homem de palavra.

 

HM – Havia fotos das lanchas arquivadas na Capitania?

JESUS – Fotografias eu nunca vi. Tinha documentos de marítimos, mas fotos, não.

Tinha os rol das lanchas. Cada lancha tinha um rol, que era uma espécie de livro. Com esse rol é que os marítimos se aposentavam.

 

HM – Seu Jesus, e a história do pe. Brandt, com relação à política?

JESUS – Essa história do padre Brandt é um pouco melindrosa para conversar contigo. Por que tu és filho de dona Darcy e ela era unha com carne, com o padre Brandt. HM – Mas não se preocupa, não, seu Jesus. JESUS - Ela e muitas outras eram muito amigas do padre. Ele formou um meio de conquistar todo mundo. Eu não quero melindrar tua mãe, por que eu respeito ela. HM – Pode ficar tranqüilo, seu Jesus. JESUS - Ele chegou em 45, em Arari. Nesse tempo, tava terminando a ditadura. Tu já ouviu falar em ditadura? HM – já, já. JESUS – Foram 15 anos. Era Paulo Ramos aqui (São Luís) e em Arari, era Garcia.

 

HM – O Antonio Anízio Garcia ficou no governo do Arari por 15 anos?

JESUS – Foi, por que não tinha eleição. Era interventor, que chamavam. E o presidente da República era Getúlio Vargas. Eu não conheci pessoalmente Getúlio Vargas; só por fotografia.

 

HM – Então o padre Brandt chegou em Arari quando Antonio Anízio era interventor?

JESUS – Foi. Quando o padre Brandt chegou em Arari, eu tinha 14 anos, e ele tinha 26. Ele chegou na Estrela Branca. Ela encostou mesmo bem no cais. A maré cheia... Ele saltou, fez um discurso, logo na rampa, para o pessoal. Foi muito bem recebido. Aí a paróquia era pobre, não tinha nada. Aí, Antonio Garcia era o prefeito, o chefão político. Foi que consegui para ele, com Cipriano dos Santos, é que conseguiram uma ajuda para ele; cada um dava, acho, 50 mil réis. Ali na casa de Paulo Pereira é que foi arranjado um lugar para ele morar uns tempos. Lá, na casa de Paulo Pereira é que foi fundado o colégio. Zózimo era o sacristão de maior confiança. Zózimo era irmão do padre. Eu ainda fui ser sacristão dele ainda. Não oficial, substituto. Zózimo é que era o oficial. A única coisa em latim que ainda me lembro era quando ele dizia “Domus ó bispo”. Aí a gente respondia: “É decor spiritual”.

Pois é, depois que ele chegou, não demorou muito o movimento para mudança do governo. Aí, nessa mudança, perguntou para Antonio Garcia, o que que ele era. A casa lá era uma varanda e um rancão. O padre entrou por trás e ficou na varanda e ficou observando.

 

HM - Onde era essa casa, exatamente?

JESUS - Era ali na beira do rio, onde morava o pai de Rui Filho. Aí, o governador que veio para organizar as eleições de 1945 perguntou para meu padrinho Antonio Garcia. - O que que esse padre era?[politicamente]. Aí meu padrinho respondeu – Não, ele não é nada, politicamente. Ele chegou agora para assumir a paróquia. HM – O Sr. lembra o nome do governador? JESUS – Parece que foi Paulo Ramos. Aí, o padre se ofendeu. O padre queria Antonio Garcia apresentasse ele lá, como político. Ninguém sabia que o padre tinha essas intenções. Mas ele também ficou na dele. Aí, que quando marcaram as eleições, ele apresentou aquele alfaiate Zé Soares, pra ser o candidato dele.

 

HM – Zé Soares contra quem, nessa eleição?

JESUS – Contra José Aureliano do Vale. Mas Zé Soares perdeu. Teve pouco voto. Aí, na outra eleição, o padre se juntou com o juiz de Vitória, que eram quem mandava em Arari, e ganhou a eleição de Bembém. O padre comprou o juiz. Ele ganhou a eleição de Bembém, de Tonico Santos e de Maria Ribeiro. Tudo na base da compra do juiz.

 

HM – O sr. lembra o nome do juiz?

JESUS – Não me lembro mais; era até um carcamano daqui. Não me lembro mais agora. Eu sei que ele ganhou essas eleições, mas depois de muito tempo é que a gente descobriu. Gente deles mesmo, que ficou contra ele depois, é que contou pra nós, como foi e como não foi, nã?  Pois é, o resultado é que quando foi a vez dele, ele não teve vez de conseguir se eleger, por que nós não deixamos ele ter folga com o juiz, de jeito nenhum. Aí, foi conseguido um outro juiz, e de confiança! Foi Biné Abas que foi o candidato, que era do padre e passou pro lado de Antonio Garcia e foi eleito. O padre perdeu por muito, por que não pôde roubar.

 

HM – Nessa eleição, ele não pode manobrar o juiz lá?

JESUS – Não, não, não. Olha, padre Brandt, só tinha uma coisa de boa, que ninguém pode negar... porque eu sou desse jeito: se o sujeito prestar eu digo, mas se não prestar, eu digo também. Olha padre só tinha uma coisa de boa com ele, que deixou em Arari, foi a educação. Isso é inegável; um grande educador. Ele deixou uma formação enorme, para o povo do Arari, porque naquele tempo era tudo atrasado. Mas dentro do próprio colégio, fora de política, ele criava aborrecimento. Ele era muito rancoroso.

 

HM – Teve uma passagem com o sr., não teve?

JESUS – Ih! Teve, mas ainda não cheguei lá. Ele era rancoroso. Se meteu na política, que não devia ter se metido. Ele teria morrido com todo mundo a favor dele. O caso dele é que ele sofria dos nervos; é tanto que ele morreu por problemas nos nervos, não foi? Aquele negócio que treme... HM – Mal de Parkinson. JESUS – Foi. Pois é, mas aí ele rompeu comigo, agora que eu vou te contar. Ele rompeu comigo quando eu comecei  votar, em 1950. Aí ele me pediu um voto, e eu disse que não, que eu não ia votar contra meu padrinho, Antonio Garcia, que eu considerava até como um pai. Aí, ele criou ódio de mim. Como é que um padre vai criar ódio, né? Minha sogra aqui começou a não gostar... Ela só sabia notícias boas dele; as coisas da verdade, ela não sabia. Aí, eu disse, examine com fulano, com beltrano, e ela examinou e se convenceu que era verdade o que eu estava dizendo. O resultado é que ele ficou de uma maneira comigo pessoal! Não sei se tu viu falar que tinha uma característica lá, que ele botava no alto falante, que tocava a música avantes, camaradas? HM – Sim, sim. JESUS – Quando tocava aquilo, todo mundo corria. Era um problema! Aí, ele se tornava de vítima e jogava o povo na praça. Aberlardo, pai de Manoel Sousa... Ele, com Manoel Sousa, José, que chamavam Zé de Abelardo, que era o mais novo... Eles passavam lá em casa numa correria, que pareceria uma cavalaria. Era a hora que tocava a música; já todos sabiam que eram chamando o povo lá pra praça. Usando a praça da igreja para um covil de briga. As eleições mesmo que ele ganhou, essas que ele comprou o juiz, tinha a passeata; lá em casa eles quebraram porta, fizeram o diabo. Não era só lá em casa; era todos que era do contra: eles quebravam porta, jogavam pedra, fazia o diacho. Era desse jeito.

 

HM – Uma das coisas que ele usava contra os alunos era a violência.

JESUS – Ora, tu deve saber de uma só, só uma. Só a principal: foi com gente dele mesmo, unha com carne com ele: filho de Tonico Santos. O pequeno era danado e o padre era muito mais danado. Ele berrou em cima do padre e o padre empurrou o menino, jogou ele no chão e deu de pé. HM – Deu de pé? JESUS – Deu de pé. Várias pessoas me disseram isso. Deu uns três chutes no menino, depois que derrubou, que o menino ficou adoecido da perna ou foi do vazio. Aí o padre se deu conta do que fez e vazou logo pra casa, pois sabia que Tonico Santos era violento. Da casa, consta que ele veio pra cá, pra São Luís. Eu não vi, me falaram. Aí disseram pra Tonico Santos que o padre tava querendo matar o filho dele. Aí Tonico pegou o revolver, meteu aqui na cintura, e entrou no colégio. Foi chegando e foi perguntando, com o revolver na mão: “Cadê o sacana do padre? Cadê o sacana do padre?”. Aí, disseram que não sabiam, sabiam; que ele tinha escapulido. Aí, ele foi na casa dele, ele entrou mas [o padre] não tava. Ninguém sabia dele. Tonico Santos tirou o menino do colégio, tirou ele e uma filha mais velha que estudava lá, no colégio. Depois, passou a raiva.

 

HM – Mas teve outros casos, não teve?

JESUS – Teve. Inclusive com umas moças, lá do colégio. Padre Brandt tinha umas coisas secretas. Olha, tu não ouviu falar que tinha um carcamano ali, perto da casa de Rui? HM – Na beira do rio? JESUS – Era. Tinha a capitania, depois a Cooperativa, depois a casa de Rui velho, tinha Abrão Capivara, que tinha um grande comércio, depois de Abrão Capivara é que vinha a casa de padrinho Antonio Garcia, viu?

 

HM – Seu Jesus, dê uma olhada aqui nessa foto. Mostre essa sequência de casas.

JESUS – Taqui a ponte do Nema. Aí vem a casa de Jorge Cominho, essa aqui, não sei, depois de Luís Ribeiro(que era pai de Nezico Ribeiro. Luis era filho de Lucas Ribeiro), depois, Abrão Capivara e depois Antonio Garcia. Aqui é que era a casa do pai de Rui, o velho, que era encostado da Cooperativa. Depois da cooperativa é que era a capitania.  Nessa Cooperativa é que o padre depositava o dinheiro para os políticos; era o padre quem pegava o dinheiro. Tem até uma história aí sobre Tonico Santos. Foram oferecer um caminhão para Tonico Santos comprar para a prefeitura e a prefeitura não podia comprar. Aí o vendedor foi bater na casa do padre, e o padre fez um bilhete para Tonico Santos: “Faça o pagamento para o Sr. fulano de tal, da compra de um caminhão para a prefeitura”. Foi chegar o bilhete, ele leu: “Tá bem, ele mandou, eu faço”. Aí Tonico Santos foi na Cooperativa, o padre autorizou. e Tonico Santos, pagou, em dinheiro, mesmo.

 

HM – Sim, voltando, sobre o padre...

JESUS – Sobre o padre...Não foi só essa. Foram várias!! HM - Várias mulheres que ele assediou?. JESUS - Meninas, meninas de menor, ainda de 14, 15 anos. Ele só queria essas novinhas, assim. Uma filha de Oscar Santos, comandante de lancha de Arari, Iole. Ela se envenenou porque ele prostituiu ela. HM – É mesmo? JESUS – É. Eu não provo. Eu não provo. Mas o comentário foi grande disso. É tanto que tem uma grande amiga minha lá, em Arari, que eu também não quero revelar o nome dela, que hoje ela até mãe de um juiz, então ela disse para mim... Ela tinha amizade com elas tudinho e sabia de tudo. Então ele prostituiu essa menina, e, naquele tempo, menina prostituída era desmoralizada, ninguém queria saber, nem nada.  E ela se chocou tanto que ela se envenenou. E ficou(sic) as irmãs. Uma das irmãs era professora no Bomfim; é uma depois dela; a Iole era a mais velha... Foi essa que se envenenou, porque ficou injuriada, e pai não soube. Naquele tempo, pai e mãe não sabia de certas coisas, por que ficava com medo. E o pai até matava de pancada se soubesse. Sim, aí o resultado é que a outra irmã, era professora no Bomfim. Aí o padre convidou ela para trazer [para casa] no Jeep dele. Aí, ela veio. Quando chegou uma  certa parte, na estrada que vai para flexeira, em vez de ir direto pro Arari, entrou assim, e, quando chegou lá diante tinha uma casa descoberta, e o padre disse: - Vamos saltar aqui, que é casa de gente amigo, e ela acreditou, mas era uma casa deserta. Aí ele botou nela. Botou nela... Aí, ela tinha uma sobrinha muito forte e disse: “Eu lhe quebro a cara, se você gracejar comigo. Você fez a minha irmã se matar”. Me contaram assim. “Você fez minha irmã se matar; você fez o que fez com ela e obrigou ela se matar, mas a mim, não!. Minha cabeça é mais forte”. Aí [o padre] ficou, ficou por lá, e disse que tava perdido, não sabia bem [do caminho] até que passou um pessoa e ensinaram pra ele, e ele veio e deixou ela.

 

HM – Se ela não reagisse, era mais uma...

JESUS – Era mais uma. A filha de Bastico, Bastico Silva. Não é a mais velha, é uma do meio... Uma morena bonita pra droga, essa ele abusou dela, também. HM - Mas e a dona Conci? JESUS - Ah, é que muitos defendiam, que não era amante dele; era a de maior confiança dele, era ela. Ele não casou porque não tinha autorização, mas ele pediu. HM – Pediu em casamento? JESUS – Não, pediu ao papa licença para padre casar, mas foi negado. HM – Como é que o sr. sabe dessa história? JESUS – Pelos rumores de lá...  Sim, aí depois dessa confusão, nós ficamos mau. Mau mesmo porque tinha uma música de miau, miau, te lembra? Por que Jesus Gato vem do avô de Teresinha Muniz. Na capitania, ele me perguntaram, nesse processo de Jesus da Capitania, o almirante me perguntou. Eu fui o autor de ele ser preso.

 

HM – Jesus que aposentava as pessoas lá, em Arari?

JESUS – É, eu fui o autor de ele ser preso. Não nego. Ele passou um ano incomunicável, no Rio de Janeiro, na Ilha das Cobras. HM – Como era o nome completo dele? JESUS – Jesus Coelho Araújo, conhecido como Jesus da Capitania. Engraçado que o almirante perguntou: É você que é o Jesus da Capitania? Digo: tem dois, réréréré!! Me joga pra cima do malfeito, réré. Aí, ele correu nas instruções que ele trouxe de lá [e disse]: - Ah, você também é Jesus... Aí, foi exatamente que eu tinha feito a denúncia dele, porque eu tava respondendo pela Capitania, num sabe? Eu respondia pela Capitania, na ausência dele. HM – Ah, na ausência de Jesus, o sr. respondia. JESUS – Respondia. Ele tava viajando, e eu tava tomando conta da agência. Naquele tempo, tinha um rádio que a gente recebia as comunicações, aí veio um rádio para mim apurar as irregularidades do funcionário Jesus Coêlho Araújo. O que que eu tinha de fazer? Era apurar, mesmo. Eu já sabia das sujeiras dele, tudinho. Tinha um Cipriano, um alto que trabalhava e me disse: - olha que ele vai te botar pra rua. Aí, eu disse: mas comigo ele vai encontrar ruim; eu não sou esses outros, não!. Justamente, a briga foi grande, o tiroteiro foi grande. Aí, quando eles mandaram, eu apurei. Apurei tudinho, e eu dei ainda a mais do que pediram!

 

HM – O que que o sr. encontrou? O principal ponto...

JESUS – Caderneta falsa, aposentadoria falsa, documentação de lancha, falsa, tudo, tudo, tudo. Tudo no dinheiro, que ele pegava.

 

HM – Esse processo correu onde? Aqui em São Luís?

JESUS – Foi, foi, foi. Foi na própria Capitania. Vieram oficiais do Rio, para conduzir esse processo. Era Avelar que era o chefão, mas aí veio um outro oficial, e botaram na cabeça que era eu tudo que não prestava, aí, ele me proibiu de entrar na capitania, só podia assinar o ponto. Eu assinava o ponto e ficava aqui na porta, até 11 horas, ficava aqui, de plantão, como se fosse um ladrão. Mas eu me virando, de todo jeito. O resultado é que eu passei um cabograma para Vitorino, e Vitorino agiu por lá, falou com o Ministro da Marinha, que mandou uma comissão – um almirante mais quatro oficiais, vieram para apurar o caso. Mas eu passei dois meses ainda de plantão lá. Até que foi decidido tudo, aí o resultado é que, no final do processo, ele foi condenado à prisão. A prisão, incomunicável... Ele foi levado para o Rio de Janeiro, passou 1 (um) ano lá. Leão é que conseguiu advogado para ele lá no Rio de Janeiro e aqui. Eram só dois anos de cadeia, e no último ano, ele conseguiu para vir para Arari.

 

HM – Ele passou um ano preso em Arari?

JESUS – Passou. Ah, foi bom para ele. Ele tava incomunicável, lá no Rio de Janeiro. O resultado é que quando eu chegava em Arari, que eu ia daqui pra lá, por que com essa briga toda, eu pedi para trabalhar aqui, em São Luís, e quando eu chegava lá, que sabia, ele corria até na cadeia e se trancava, por que ele tinha amizade, e ficava com a chave da cadeia no bolso. HM – Ele se prendia? JESUS – Era, porque se por acaso eu fosse lá, encontrava ele preso, por medo de eu denunciar dele. Réréréré Mas ele viu que não adiantava ódio, e começou a agarrar com um e  com outro para fazer amizade comigo. Pra ver se um dia ele voltava pro serviço. Aí, foi que ele se agarrou com Leão, que era muito meu amigo, aí, nessa minha casa aqui veio Domingos Batalha, que era prefeito, Joãozinho Batalha, Zé Fernandes, Leão e Aziz. Vieram me pedir para eu levar em consideração um pedido de amigo para eu terminar com a raiva que tinha dele. Eu digo: Eu não tenho raiva dele; eu agir como devia agir; eu cumpri com meu dever. Eu não tenho ódio pessoalmente dele, não. Aí, ele veio e falou comigo. Aí foi que ele conseguiu voltar para a Capitania. Mas fez outra burrada de novo!! Eu ainda chamei ele a atenção: Olha, Jesus, o que aconteceu da primeira vez. Tu te lembras o que tu sofreu? Tu quer fazer de novo? Eu disse pra ele. Aí ele disse: Seu Jesus, onde a gente perde, lá que a gente vai buscar. Aí disse: - Ah, é, nã? Então, te vira, te vira. O resultado é que hoje ele ainda come, porque é os filhos que dão. Porque quando apertou, ele se aposentou correndo, aí o resultado que ele... A Marinha não brinca... Botou em cima dele e o resultado é que derrubou a aposentadoria dele, e ele até hoje não conseguiu voltar ao serviço.

  

HM – Mas nós estávamos falando sobre o padre. E ódio ficou como? Não teve um reencontro seu com o padre?

JESUS – Ah, tive! O ódio foi por causa da minha mãe, que ele desrespeitava, viu? Chamava Cota Gato... Saía tudo, as mensagens no alto-falante - e ele apoiava!! Se ele fosse um outro, dizia: Não, não façam isso, nã?  [Mas]Não, deixa. Porque o que ele dizia era feito. Pois é. E ele fazia era ri. Então, achava bom, por que eu também não era eleitor dele... O resultado que nessa luta todinha, fiquei mau com ele. Eu ia até na igreja, mas não falava com ele. Não deixei de ir na missa. Aí o resultado que passou muito anos, antes dele adoecer, ele passou na praça João Lisboa, eu tava conversando com o pai de César Abas, Vicente Prazeres, e com Sérgio Campos, e aí  eu ouvi ele chamar: Ei, Jesus, Ei Jesus. Aí, se aproximou e disse: - Jesus, é Natal, tempo da confraternização, eu quero falar com você e dá a mão, como amigo. Ele estendeu a mão e Sérgio disse: Ele tá falando contigo, Jesus, e eu disse: tô vendo. Aí, antes de dar a mão eu perguntei pra ele: - O sr. já largou aquela ordinária? Aí, ele ficou calado; ficou sem jeito, sem responder nada. Quem respondeu foi Sérgio, que tá vivo. – Não, Jesus, ele largou aquela política, não tem mais nada com política. Ele ainda orienta alguns grupos, quando procuram ele. Só isso. Aí eu dei a mão, nós se(sic) abraçamos, e ele passou a falar comigo.

 

HM – Seu Jesus, e sobre as campanhas eleitorais de Arari, o senhor lembra de alguma?

JESUS – Eu participei de várias. Primeiro foi Bembém, que disputou com Cipriano dos Santos, se não me engano. Depois veio a segunda, de Tonico Santos contra Romualdo Silva. Depois, Maria Ribeiro, que não me lembro contra quem foi. Resultado é que, no final das contas, foi ele [pe. Brandt] contra Biné. Biné ganhou ele. Depois dessa eleição, nunca mais ele voltou. O padre tinha umas coisas [secretas]. No quarto dele, nem a mãe dele entrava. Ele saía, levava a chave. Zózimo, que era sacristão e irmão dele disse. O irmão dele falava dele!. Disse que ele era muito ignorante com a mãe dele; a mãe dele passou uma temporada aí[com ele]. Era ignorante demais com a mãe dele.

 

HM – Quais eram os lazeres da sua época? E bola, o sr. jogava? Quem eram os bons jogadores da sua época?

JESUS – Eram os bailes, na casa de Zé Sampaio. Eu não era jogador bom. Aquele Dico Pincelada e Antonio Pincelada, que foi um grande goleiro de lá. Arari só perdia de Vitória porque eles roubavam. Na lícita, não ganhava. Teve uma disputa que Arari perdeu porque, na hora chutar um pênalti, Arouche chutou mal; chutou por cima; passou raspando por cima da área. Perdeu por causa desse chute.

 

JESUS - Arouche, Arouche.... HM- Lembro. JESUS – Cê sabe quando ele chegou lá? HM – Não.

JESUS – Foi esse negócio de futebol. Foi um colega meu da Capitania que levou ele para o futebol de Arari. Conhecia ele aí da praça do cemitério, que ele jogava bem e tal. Levou ele e ele se tornou um líder, por conta do futebol. Ele, aqui, era da praça...; era novinho!. Lá, se engraçou dessa mulher, do pessoal de Ericeira... Pra casar, foi ajudado por esse que levou. A própria cama, foi esse que levou que comprou a cama. HM – O Sr. não lembra o nome desse que o levou, não? JESUS – Chamavam Capa Bode.

 

HM – Havia outro Jesus, o Jesus Fogueteiro. É parente seu?

JESUS – Havia, mas não é parente meu. HM – Então havia 3 (três) Jesus, em Arari. O Jesus Gato, o Jesus da Capitania e o Jesus Fogueteiro. JESUS – Era. Jesus fogueteiro era Araújo, também.

JESUS – Já ouviu falar de Máximo Chaves, da Tresidela do Arari? HM – Sei quem é. JESUS – Ele era bom nos versos. Zé Fernandes tinha uma poção de coisas dele, com esse negócio de Academia do Arari. Tinha um verso de Máximo Chaves que era comigo, mas eu não gostava, por causa do apelido. HM – Como era esse verso? JESUS – O verso era assim: No globo, já vi três Jesus/Jesus Gomes/Jesus Gato e Jesus Lobo. Jesus Gomes era o que teve o Guaraná Jesus, que a fábrica era ali no Filipinho.  

  

HM – Quer dizer que o senhor trabalhava corretamente...

JESUS – Trabalhava. Fui o primeiro homem que denunciou irregularidades na Marinha. Peguei uma suspensão de dez dias e multa, porque eu usei os documentos da capitania para provar. Eu fiz o relatório e encaminhei pra Marinha. Quando veio, veio uma rebordosa do almirante para o chefe aqui da capitania.  Teve um que botou dinheiro 3 vezes para comprar uma carteira. Foi um desse pessoal de Santos. Queria, pela terceira vez... Ele veio com dinheiro para comprar uma carteira, em branco, para o filho dele embarcar num navio. Eu que não quis. Eu disse: desaparece daqui agora... E vai te embora! Nunca mais eu vi esse camarada.

 

HM - E quanto aos peixes de Arari. O sr. pescava?

JESUS – Eu aprendi a pescar com 9 anos, com uma tarrafinha que mamãe fez. Uma vez “butei” em cima de um aracu, de quase 2kg. A gente pescava na folha, na tapagem. Não viu falar no finado Lêu?. Aí, Lêu disse assim: porque ninguém nunca tinha pegado um aracu daquele tamanho, e os outros ficavam de olho grande: “gente, largo de olho grande em cima do menino. Com esse, vai te embora, fazer a janta com tua mãe”. Aí pessoal se acalmaram, e eu peguei, fui me embora.

 

HM – Nessa época do Arari antigo, havia rua asfaltada?

JESUS – Não, nenhuma. Meu padrinho Garcia foi quem primeiro botou piçarra. Já por último foi Dico Caiçara, que empiçarrou aquela rua [Rua Aureliano do Vale].

 

HM – Por que chamam Dico de Caiçara? O sobrenome dele é Fernandes...

JESUS – É, mas é porque eles são altos. E é caiçara de curral. Caiçara é a estaca mais alta do curral. E eles são pessoas altas. (Risos).

 

HM – E quanto à juventude da sua época, quem eram as moças bonitas?

JESUS – Olha, para meu gosto, tinha duas moças bonitas que existiu dentro do Arari. Primeirinho foi a mãe de Manoel Ribeiro. Era uma boneca; era uma moça linda. Ela foi eleita rainha de uma festa. A outra era uma irmã da mãe de Rui Filho: era a Lindanir. Era muito linda, lindíssima. Eu não sabia qual das duas era mais linda. Ainda tinha Dona Ribeiro, filha de Luís Ribeiro, que casou com finado Henrique Saucher. Tinha outra: Antonia, Tonica Ribeiro. Essas eram bonitas, mas não eram como aquelas duas. Essa Lindanir foi rainha de uma Festa de Bom Jesus.

 

HM – Já havia carro em Arari, na sua época de garoto?

JESUS – O primeiro carro foi de Elias Radete. O segundo foi de Bida, finado Bida. Nunca ouviu falar em Felipa Roxa? HM – Não. JESUS – Ali, defronte do padre, era um hotel. O pessoal de fora vinha pra li. Era o hotel que tinha. Esse hotel era de Felipa Roxa, que era mãe do Bida, que teve o segundo carro, em Arari. Esse Bida botava piçarra pra um, piçarra pra outro, nesse caminhão. Crianças corriam atrás desse caminhão.

 

HM – E circo, vinha para Arari?

JESUS - Vinha. Todo ano vinha um circo e as crianças corriam atrás dele. “Arrocha, rapaziada”. Mas eu não corria atrás do palhaço... réréré. Sim, mas ainda sobre o padre, ele tinha uma fazenda de gado, lá em Colinas. HM – É mesmo? JESUS – Dinheiro da igreja, com dinheiro da igreja. Acho que ele sonhava um dia voltar pra lá, qualquer coisa, não sei. Mas ele, inteligente, era. Duas coisas ele tinha de bom: educador e inteligente. Raciocinava rápido.

 

HM – Seu Jesus, muito obrigado pela entrevista, que vai esclarecer muita coisa sobre a nossa terra.

JESUS – Mas, ainda tem aquele problema comigo que eu não te contei. Foi do Colégio Comercial, que aquele Pestana, Zé Pestana, queria tomar o Comercial, e eu não deixei, porque eu sempre fui sério nas coisas... Eu fui presidente lá, até Djalma Carvalho perdeu pra mim, que era candidato.  Aí o resultado é que esse Pestana foi pra Justiça e foi autorizado tomar tudo dele, porque ele roubou o Comercial pra valer, e eu fui quem peguei todos os comprovantes da mão da secretaria dele, que era a mulher do finado Manoelzinho Cipriano, filha de Zeca Marinheiro.

 

HM – E essa verba do Comercial vinha de onde?

JESUS – Do Estado, que dava, até mesmo Federal, porque o colégio era registrado.

 

HM – De qual família era esse Pestana?

JESUS – Morava na Rua da Franca. Ele era filho de Olímpio Pestana, que tinha o velho chamado namorador. HM – Ah, sim, Namorador. Eu o conheci!. JESUS – Era avô desse prof. Pestana.  Namorador era Cantídio Pestana, pai de Olímpio, avô desse Zé Pestana, do Comercial. Eu tive 22 questão. Eu ganhei todas, nunca perdi uma questão. Nessa do Pestana, até com o governador eu briguei, por causa disso. Tudo saiu a nosso favor: meu, de Aziz, Leão, tudo junto, nã? Mas quem começou foi eu, para não deixar tomar o Comercial. Pestana queria passar pro nome dele. Nós entramos numa cilada, porque perdemos o estatuto da associação, do Grêmio Arariense dos Estudantes, mas se lembramos que Luís Rego tinha [uma cópia]. Mas quem que vai?[pedir a cópia pra Luís Rêgo]. Nós vamos botar Leão, que ainda não é queimado, nã? Aí, Leão foi e disse que queria uma cópia, porque nós tava precisando, porque chegou uma verba, e nós não tinha o documento comprobatório... Aí, Luís Rego disse: peraí, que eu vou pegar. Aí, pegou, veio, deu e disse: -  Ah! Peraí, deixa eu falar com o prof. Pestana, que é o diretor do Colégio. Ora, era esse que nós queria que não soubesse... Que quando ele disse que ia comunicar, Leão saiu correndo e veio... e nós pegamos o Jipe, de Zé Fernandes, aí nós saímos e viemos embora. Aí, depois, Luís Rêgo descobriu tudo e botou ele [Zé Pestana] pra fora do colégio. HM – Como é o nome completo dele? JESUS – José Benedito Pestana. No final, fiquei com pena dele; ele bebia muito. Ainda falta uma: Arouche... Arouche...Sobre gado e couro de jacarerana... (Nesse ponto, acabou a carga da pilha do meu gravadozinho).