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Zé Caiçara
Zé Caiçara

Hilton Mendonça e Muniz Pinto estiveram, no dia 25/1/2003, na casa de Zé Caiçara, o José Dionísio Fernandes, pai do ex-prefeito Dico Caiçara, com o fim específico de entrevistá-lo, em virtude da proximidade do aniversário dele, que em 12/7 daquele ano completara 100 anos de idade. Seu Zé Caiçara nasceu no dia 12/7/1903 e faleceu em 2008, tendo vivido 105 anos! Certamente, foi o mais longevo arariense de que se tem notícias. Eis a entrevista (mantida a linguagem original do entrevistado), que foi publicada na jornal da Academia Arariense-vitoriense de Letras, edição nº 10, que circulou em junho/2003. Vide foto de Zé Caiçara, no ícone Memória Arariense, Álbum de Joaquim Caiçara.

HM e MP - Onde o senhor estudou, seu Zé?

CAIÇARA - Eu? Ahhh, eu não tive nem estudo, rapaz. Teve um professor aqui no Perimirim, que me ensinou o primeiro livro. Aí, larguei de mão, peguei a andar.

HM e MP - Qual era o nome desse professor?

CAIÇARA - Era Joaquim Maciel. Ele era de Vitória e veio morar no Arari. Acabei de aprender um pouquinho com ele. Depois, teve aquele professor José Silivistre (sic) Chaves Fernandes...

HM e MP - Do que o sr. tem saudade?

CAIÇARA - Dos tempos passado, que tudo corria bem...

HM e MP - O senhor gostava de festas?

CAIÇARA - Ahhhhhh! Dimais. Gostava dimais.Rapaz, no Cassino, quem mandava era eu! No carnaval, Manoel Abas vinha bater aqui: pra mim não deixar de ir. Engraçado é que quando Dico foi prefeito, Dico disse: "Meu pai, você vai brincar no carnaval de Zé Martins, porque é nosso amigo político, e esse outro [Manoel Abas] é adversário. Ai-ai-ai-ai!!!!(risos).

HM e MP - Sendo o senhor muito amigo de Manoel Abas, como resolveu essa questão?

CAIÇARA - Aí, eu resolvi assim: eu ia passando lá para casa do Manoel Abas, e ele [Zé Martins] me chamou: "Ei rapaz, pra onde tu vai? Quero saber se tu não vai brincar aqui... Aí, eu passei uma tarde brincando no salão do Zé Martins. Eu não perdia um baile! Sempre tive uns trocados no bolso, sempre fui trabalhador.

HM e MP - Das moças da sua época, quem dançava melhor?

CAIÇARA - Tinha uma Tereza Salomão... Essa gostava de dançar comigo! Aqui tinha uma Marilene; essa minina me pediu para mim dançar só com ela. Pra mim ensinam ela...

HM e MP - O que seu filho e ex-prefeito Dico Caiçara fez de bom em Arari?

CAIÇARA - Ôôôôôhhh, rapaz! Eu vi ele dando um discurso, na porta do padre, e disse: "Te endereita, padre velho, que eu vou te dar um banho de cuia nesse rio. Premera coisa que eu vou fazer é o cemitério e aquela ponte, que hoje é malhada de gado". E foi verdade!

HM e MP - Quantas pontes ele fez?

CAIÇARA - Oito pontes. Essa do Batuba foi a premerinha. Um caboco tirou até uma cantiga que dizia: "Óia, rapaziada, que beleza que nosso prefeito fez//a braaaaços de hooomens, não foi preciso governo". Era o governo Sarney, nessa época, e era ranzinza com ele [com Dico Caiçara]. Eles eram inimigos.

HM e MP - Quais as lembranças que o senhor guarda da eleição do seu filho?

CAIÇARA - Quando saímos do Itapecuru - que até aquela preta Margarida Precisão, fazidera de narquia, era do padre e tava lá pra fazer... (Seu Zé ri...). Eu vim mais Binidito Ericeira, no carro dele, na frente. Quando nois cheguemos no Arari, o povo tava apinhadinho, esperando a decisão, que já era completa. Tinha uma garité cheia de gente, que trouxe ele [Dico Caiçara] de doutolado, da Trizidela, para este lado, para esperar a decisão. Quando cheguemo, perguntaro: quem ganhou? Caiçara. Botaro fuguete, desembarcaro da garité, empurraro, e ele[Dico Caiçara, prefeito eleito] - tchan!, dento dágua...(Seu Zé e os entrevistadores riem).

HM e MP - O que se deve fazer para viver tanto? (Em razão da surdez, não entende a pergunta, que é refeita assim: Por que o senhor viveu tanto?).

CAIÇARA - Se eu completar 100 anos, eu vou pedir perdão naquela igreja. É muito difícil esse povo de hoje chegar lá nos cem anos. Vai nos oitenta...

HM e MP - Em que Arari melhorou nesses 100 anos?

CAIÇARA - Rapaz, eu não tô vendo nada, não! As mudanças de prefeito é só pra eles. No final da festa, o prefeito sai rico, e todo mundo, pobre. Que feiura!!! Que nojo!!!!!

HM e MP - Havia muito peixe no Arari?

CAIÇARA - Tinha. Eu pescava muito. Tapava de pari [é uma espécie de cerca, feita de talo, e amarrada com cipó]. Pegava a canoa cheia de peixe! Eu mais Máximo Chaves... Sabidããoo!!!! Ele não ia na água..!! Só eu! Mergulhava pro disgrota. Uma ocasião, eu fui de noite com outro rapaz, aí nesse Batuba. Eu tapei esse garapé; era uma batucada de peixe medonha. Quando terminei de tapar esse garapé, peguei uma meançaba grande e botei inrriba de uma folhiça de Arirana. Eu deitei de um lado e o cumpanheiro do outro: caíram de taca nessa meançaba, bem no meio: vapo, vapo, vapo.

HM e MP - E quem era que batia?

CAIÇARA - Ninguém viu... Eu acendia a luz, tudo dereitinho. Apagava a luz, taca na meançaba; não pegava in nois! [Seu Zé disse para o companheiro]: "Rapaz, vamos embora? Vamos embora pra casa?". Quando foi demanhazinha, fumo despecar o peixe. Nenhuma piaba! Esse Batuba era infame... Pedro Saraiva - que trabalhava num engenho aí, disse pra papai um dia: "Tio Manico, eu vou tapar esse garapé e vou pegar muito peixe". Foi no garapé, viu a batucada do peixe, e fez o serviço. Quando voltou para lá, acompanhou um homi com ele, mas não falava... [Pedro Saravia] voltou para casa, deitou na rede, chamou a mulher e disse: "Eu tô friinho que não posso". Pronto!! Essa foi a derradeira vez que ele foi pescar no Batuba. Foi morrer no São Luís...

HM e MP - O senhor se divertiu muito?

CAIÇARA - Ôôôhhhh, rapaz. Eu tenho certeza que ninguém trabalhou mais do que eu aqui nesse Perimirim, e brincou também, do mesmo jeito.

HM e MP - Qual a brincadeira que o senhor mais gostava?

CAIÇARA - De dançar.

HM e MP - Que tipo de dança?

CAIÇARA - De valsa prarriba, panhava tudo...

HM e MP - Com quem o sr. aprendeu a dançar?

CAIÇARA - Eu aprendi? Eu já nasci dançando, rapaz... Quem sabe dançar, não carece aprender.

HM e MP - Quais os locais do Arari que tinha baile?

CAIÇARA - Era no casino, de Manoel Abas, e aqui in casa de Joaquim Maciel. Quando eu ia brincar lá, Tunico Santos... O que é feito de Tunico Santos, rapaz? - Está em São Luís.

Nunca mais vi ele, rapaz! Ele era um grande amigo... Ele enchia não sei quantos côcos mansos, de cachaça, rulhado, pra nois beber, nessa época. A gentia bebia "de acordo", né?! Nunca me embriaguei...

HM e MP - Amigos seus dessa época, além de Tunico Santos, ainda tem algum vivo?

CAIÇARA - Ahhhhh! Não tem maaaais!!! Nem me lembra mais... Uma vez, fui numa ferra de gado lá em Anajatuba. Nós saímos em dez pessoas; não tem nenhum mais vivo. Foi até João Bel, lá do Sítio - foi o maior laçador de gado - e Venâncio da Cachoeira. Passamos lá três dias laçando gado...

HM e MP - Seu Zé, o senhor sabe quem foi o primeiro prefeito de Arari?

CAIÇARA - Belizário [Belizário Duarte Fernandes]. Foi o premero prefeito que teve aqui no Arari. Passou pra Coletoria, e morreu na Coletoria.

HM e MP - Seu Zé, qual é a sua mensagem para as pessoas que vão ler a entrevista?

CAIÇARA - Olha, a gente, por ter alguma coisa, ajude aquele que não tem nada. Sabe por quê? Esse que tá atirado no chão, quer livantar. Se você não dá coisa alguma, ele não livanta nunca..!!!

HM e MP - O senhor nos autoriza publicar esta entrevista com o senhor?

CAIÇARA - Se eu concordo? Ahhh, eu concordo dimais! Pode fazer a vontade... O que eu tô contando é a pura verdade.