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João Batalha
João Batalha

João Batalha, ao lado de José Fernandes, assume notável destaque na produção literária de Arari, editando obras de indubitável valia.

O ilustre escritor arariense José Fernandes, no seu livro Gente e Coisas da Minha Terra, págs. 61 a 62, faz a seguinte afirmação sobre a autoria do livro  ARARI CANDIDATURA A INTENDÊNCIA 1919:

 

“No ano de 1880, nasceu na gleba arariense e aí viveu permanentemente o culto cidadão Thyago José Fernandes, falecido em 1948.

(...)

Porém, é dele, com certeza, um opúsculo apócrifo denominado Candidatura à Intendência, contando a história de uma renhida luta partidária, em Arari, no primeiro quartel do século XX”.

 

Por se tratar de importante documento histórico de interesse coletivo dos ararienses, passarei a reproduzir, abaixo, o conteúdo dessa obra:

   

APRESENTAÇÃO

 

A presente publicação não tem o objetivo de denegrir ou macular pessoas ou famílias, nem tão pouco, ilustrar ou enaltecer outras.

 

O original me foi entregue pelo senhor Raimundo Leite Lima (fiscal da prefeitura de Arari durante a gestão do prefeito Caiçara – 1966/1970), quando eu prestava serviço ao IBGE, no senso escolar de 1964.

 

A capa e a última página já danificadas não me deram condições de recuperá-las. A contracapa sim.

 

O objetivo desta reedição é levar o leitor arariense a soborear lances de páginas desconhecidas de nossa história, escrita de maneira mordaz, porém culta e inteligente.

 

O feito talvez apócrifo (a autoria é desconhecida), revela nas suas entrelinhas, proeza e indignação do autor, personagem de letras, que dramatiza com sua verve satírica os desmandos vigentes na época, praticados na província do Maranhão e na vila do Arari.

 

Escrito de maneira pungente, em 1920, trata-se de uma valiosa declaração histórica.

 

A publicação original tem 81 anos, 37 dos quais, um exemplar em minhas mãos, guardado como documento valioso e de estimação.

 

Decidi publicá-lo optando pela divulgação perfeita, estabelecida no texto primitivo, de acordo com a edição originária.

 

O julgamento é do leitor.

                    João Francisco Batalha.

 

 

 

“ARARI

CANDIDATURA A INTENDÊNCIA

 

REQUIEST IN PACE.

 

Aqui jaz a mais audaciosa e deslavada pretensão política que se tem registrado neste Estado.

 

        Felizmente, a prepotência e o canibalismo foram vencidos pelo Direito.

 

Descansa em paz MANUEL NUNES, pois melhor fora teres aprendido a ler.

 

TRAÇOS

 

Uma fase de distenções contínuas atravessa todo o nosso maranhão, conseqüência direta do lema paz e amor que os governantes da época entenderam gravar no lábaro da política dominante do estado.

        

         Uma capa, diz o Espírito Santo, não pode cobrir dois de uma só vez; mas os homens de mando na pretensão estólida de saberem mais do que Deus, pretendem no seu alto entendimento, dar a uns o direito da capa e a outros a avesso, ao mesmo tempo!

        

O resultado foi, é e será o que se tem visto: em vez da verdade, a intriga; em vez da paz, os distúrbios; em vez da ordem, as lutas; em vez das justiças, as perseguições.

 

E com isto intimida-se as forças de todas as modalidades e paralisa-se a vitalidade do progresso.

 

No tempo do Império, dois únicos partidos políticos contavam-se em todo o País – o liberal e o conservador; - e os respectivos prosélitos, só na sua facção viram o ideal do bem estar e do progresso coletivos, mesmo porque os cargos públicos eram entregues a pessoas idôneas.

Com o regime republicano, pouco a pouco se foi desvirtuando, entre nós, esse ideal; cada cidadão de influência foi achando mais razoável, mais consentâneo com a época, o acuro, só e só, pelos interesses pessoais e daí a série intérmina de grupos existentes do estado, dentro do próprio partido situacionista.

 

E como cada um quer o mando para si, desdobram, à porfia, afincado esforço para captação das boas graças do Governo, isto é, do presidente – fato exclusivo de onde tudo emana e, só conforme o seu querer, tudo se move.

 

Acontece porém que, como a capa do Espírito Santo retro aludida, é impossível satisfazer a todos de uma só vez! Assim os aspirantes às valiosas graças, os pretendentes exclusivistas do ceptro das posições oficiais, dando mesmo largo curso as espaventosas loas e as cortesias expressivas ao Chefe do Estado – o senhor de braço e cutelo nos nossos 303.000 quilômetros quadrados, nem sempre conseguem o almejado escopo. Entram então em cena, como segundo ato dessa traje-comédia política as invencionices, as intrigas e os mexericos, em tão alta escala que causam assombro as suas variantes.

 

E força é confessar, que muito se tem conseguido da governança com este recurso!

 

Diante desta falta de coesão entre os elementos de um só lábaro; diante dos meios reprovadíssimos empregados para a conquista da simpatia governamental; é óbvio que nada há de sério, de moral e legal na engrenagem de semelhante política.

 

Tudo está atrofiado pela soberania absoluta conferida ao felizardo que alcança a curul do governo em torno do qual gravitam passivamente os referidos grupos aguardando o momento favorável de se porem em destaque, uma vez agraciados com a sua belevolência.

E a mais lamentável vítima desse estado de coisas é o nosso interior, onde os chefotes calculadamente, não poupam os esforços da mais eterna solidariedade, as promessas da mais passiva obediência.

 

Uma vez conseguido o escopo almejado, consolidado que se sinta o feliz mandão com a diretriz do Estado, não há mais meio-termo no assalto ao erário das Comunas, nem nas perseguições aos descaídos.

 

No primeira caso, tem à farta, o grande manancial onde se podem suprir sem temor da mínima responsabilidade; no segundo é o próprio governo quem lhes açula os apetites sangrentos, entregando a administração da justiça a tipos desclassificados e analfabetos, a indivíduos lombrosianos capazes dos mais indecorosos atos, dando-lhes ainda, farto contingente de força para melhor êxito das suas arbitrariedades e desapiedadas espertezas, sem consideração às garantias constitucionais.

 

Verificada a falta de coesão entre os grupos pertencentes a um único partido, é evidente que só a paz e o amor grifado no começo deste capítulo, pode congraça-los sob o mesmo lábaro.

 

Um caso típico é o que se narra neste livrinho. Prossiga portanto o digno leitor dispensando-nos a devida atenção e não perderá o seu tempo.

 

PERFIS

 

Antes de se iniciar a relação dos fatos tétricos ocorridos nesta infeliz vila não é demais dar os perfis de dois indivíduos importantíssimos neste sarau de prepotência; um porque é o gênio do mal encarnado em um corpo de gente; o outro é um espécimen do mal feitor consumado.

 

Juaca é o nome daquele. Tipo tétrico, de andar pesado, olhar de porco, sobremodo torvo, sobrecenho carregado certo pela hediondez dos planos mefistofélicos que tem despejado do bestunto.

 

Tem mãos e pés grandes; e reparando-se a conformação craniana, verifica-se o tipo lombrosiano perfeito, completo, nítido. Fala pouco e por monossílabos. Ri quase nunca e, quando o faz, ouve-se o coaxar do sapo e não a volata álacre do riso comum.

 

É corpulento, e sem ser giboso jamais firma o alto é o peso dos remorsos que lhe sobrecarregam a consciência. É ele o cônsul supremo da matilha que infesta a infeliz vila.

 

O outro – Chico Ribeiro -, é vermelho como as lagostas, notando-se lhe no rosto as protuberâncias arroxeadas dos viciados no álcool.

 

É típico o seu falar, quer pela rudez da expressão, quer pelo congestionamento da língua, em virtude do vício da embriaguez a que comumente se entrega.

 

É espalhafatoso no modo de andar, máxime quando enverga uma farda cebuda de capitação da bobagem.

 

Completo celerado porque fere com o primeiro calhau que encontra, tendo entretanto um pouco dos malfeitores consumados porque também espera o imprevisto.

 

Ótimo factótum do primeiro pelo que se pode dizer que o diabo os fez e os ajuntou, para maior glória do inferno.

 

Ambos desempenham papéis culminantes nas tragédias desta vila, um nos planos, outro, na execução, de modo que não podem nem devem ficar no olvido.

 

Seus nomes estão gravados com outros nas páginas negras do livro dos condenados à execração pública.

 

 

ARARI

Acompanhando a caprichosa sinuosidade do rio Mearim, o rio da pororoca, e a pouco mais de duas léguas abaixo da vila de Vitória, destaca-se a do Arari. Município do mesmo nome deste Estado do Maranhão, com solo fértil, de clima ameno e bem desenvolvido quanto ao comércio, sendo que a principal riqueza da Comuna é a criação de gado.

 

Tem a vila mais comprimento que largura em virtude do campo que se desdobra pelo fundo; e se fosse possível tomar-lhe a perspectiva do alto, isto é, de um aeroplano, teríamos a imagem bem regular de uma cobra nas suas naturais ondulações, cortada entretanto pelo riacho Nema que a divide em duas partes.

 

A edificação, exceto alguns prédio, é assobradada atendendo a natureza do terreno muito baixo e portanto sujeito a alagações, quer pelas enchentes do rio, quer pelas águas do Nema que na estação invernosa crescem extraordinariamente e fremente se despenham pelo campo e no Mearim.

 

Tranqüilo era o viver nessa admirável região; mas de tempos para cá, a política tem tornado a existência ali insuportável, tais as depredações e arbitrariedades praticadas por aqueles mesmos a quem cumpria zelar pela ordem pública e manter as garantias individuais estatuídas nas nossas constituições.

 

Tempo houve em que as arbitrariedades chegaram a meta, por isso que nem mesmo o próprio lar era o asilo inviolável do cidadão.

 

Nesta época, a maior parte das famílias emigrou para o interior e as que ficaram, viviam trancadas em suas casas, sofreram até privações pelo fato de temerem sair à rua.

 

Campeava então o mais absoluto despotismo. Um tenente de polícia – o celebérrimo Justino da Cunha era o ditador com o acompanhamento bélico de 24 praças devidamente embaladas!

Não convém entretanto, alterar a ordem dos fatos, se aqui nos propomos a narrai-los(sic) completos e verídicos, como lembrança dessa fase tão dolorida para a florescente Arari.

 

  

A PRISÃO DE UM CORETO

 

Nada mais estapafúrdio que o juízo contido na epígrafe supra. Não há mesmo leitor algum que se abstenha de enorme gargalhada ao lançar a vista sobre essas quatro palavras, tão inconcebível é o fato que os ditos vocábulos estereotipam.

 

Entretanto ali está uma verdade, uma ocorrência e até importantíssima, porquanto foi o marco inicial nas tragédias a narrarem-se neste folheto, como verão a seguir.

 

Corria 1918 e os habitantes desta vila do Arari assistiam o desdobrar do novenário de sua Excelsa Padroeira – Nossa Senhora da Graça.

 

A par do vistoso embandeiramento no largo da Igreja e feérica iluminação externa e interna do templo, as duas músicas da terra pertencentes respectivamente aos dois partidos políticos faziam-se ouvir das 17 às 21 horas; uma – a melhor, - em garboso coreto; a outra – em assentos comuns.

 

Sabia-se que ao terminar esta festividade e após pequeno interregno, começaria a do Bom Jesus, invocação feita na mesma igreja, e assim é que o encarregado respectivo contratou logo a melhor das músicas para a época prefixada, dizendo-a – suficiente para o serviço.

 

Terminados os festejos de Nossa Senhora da Graça, a música contratada conservou o seu coreto atendendo no novo contrato cujos serviços iam começar sem longa demora.

 

Aconteceu, porém, que a exclusão da outra música não agradou a seus partidários e não obstante os esforços empregados para também serem, ao menos convidados, nada conseguiram.

 

Levantou-se então a celeuma da politiquice, lembrando alguém a exigência do imposto ao Município pelo levantamento do coreto no largo da vila.

 

Assentada definitivamente esta vingança mesquinha, para logo o polichinelo do juaca fez (SIC) extrair o competente conhecimento e mandou fosse procedida a cobrança.

 

O regente da música, moço distintíssimo, escusou-se ao pagamento sob fundamento que tal imposto era ilegal e que se insistissem na cobrança não punha dúvida em desarmar o coreto.

 

Diante desta resolução, aliás muito razoável, incentivou-se a má vontade e então prenderam o coreto e levaram-no para a cadeia pública.!!!!

 

Os partidos políticos que estavam em repouso alarmaram-se com o fato e iniciou-se a fase das conversas e mexericos em torno do assunto, açulando-se logo os ódios que até então conservavam-se em modorra.

 

Dias depois desta ocorrência (em setembro do dito ano), chegava à vila o Dr. Henrique Fernandes, nomeado juiz municipal do termo, e ciente dessa prisão inconcebível, determinou logo a entrega do referido coreto a seus donos.

 

Tanto bastou para que os politiqueiros, autores da sui generis detenção se julgassem feridos em seus brios e dessem início às mais bárbaras perseguições valendo-se dos cargos de Delegado e Intendente ocupados por comparsas da funambulesca grey.

 

Entretanto o distinto magistrado a que nos referimos, dentro da órbita da sua função, asfixiou sempre os surtos de selvageria que esses perturbadores da ordem, a miúdo, punham em prática.

 

Assim terminou o 1918 e iniciou-se o conseguinte, entre os arrancos díscolos da politicalha; asfixiados entretanto pela integridade do conspícuo juiz e do ilustríssimo Dr. Demóstenes Macedo, a primeira autoridade da Comarca e uma das mais brilhantes figuras da nossa magistratura.

 

A QUALIFICAÇÃO ELEITORAL – O pleito de 20 de novembro – A POSSE

 

Em efervescência os ânimos, mas sem entrarem na fase de explosões por acharem contidos pela integridade dos conspícuos juízes retro referidos, começou com muito afinco a qualificação eleitoral, preparo inadiável e imprescindível para as eleições dos cargos municiais(sic) e outros.

 

Num partido manobravam a fraude os Nunes, belizários e marcelinos, orientados pelo famoso juaca que até teve a inominável audácia, o descarado cinismo, de tentar subornar um dos juízes para conseguir maior número de alistamentos.

 

O resultado desta tentativa foi a expulsão do mequetrefe da residência do aplicador da lei.

 

No outro partido, satisfaziam as exigências legais os vultos respeitáveis dos Coronéis Lucídio e Thiago Fernandes, ambos dignos prosseguidores de seu pai Coronel Pedro Leandro Fernandes, o político de mais influência e destaque existente nesta zona e que ainda hoje é saudosamente pranteado.

 

Uma maioria considerável obtiveram estes, e no pleito de 20 de novembro a provaram de uma maneira indubitável, por isso que elegeram o intendente e quatro vereadores (a Câmara compõe-se de cinco membros), apesar do celebérrimo Manuel Nunes propor-se abertamente à compra de votos para se eleger ao primeiro desses cargos!!

 

Com esta vitória nas urnas, baixaram a grimpa os inimigos da ordem ainda que afogando planos tétricos de novas diatribes.

 

Entretanto houve sempre um interregno, e a vida da vila, durante esse período gozou perfeita calma.

 

Em primeiro de janeiro assumiram os respectivos exercícios os novos eleitos, sendo grande o contentamento da enorme maioria dos habitantes. No curul da Intendência tomou assento o digno e honrado Capitão Herculano Olimpio Ericeira; e na Câmara, como Presidente, o honestíssimo e prestante cavalheiro Balbino do Nascimento Fernandes, ladeado pelos seus três amigos também eleitos.

 

E enquanto uma doce paz gozava a digna e hospitaleira população do município, os gênios do mal à calada da noite, concertavam o plano maquiavélico que havia de por (sic) em polvorosa toda a Comuna.

 

Como começo da ação, não se fartaram de transmitir telegramas, diários, para a Capital, assoalhando inverdade, ferindo a reputação alheia, e enfim, narrando invencionices do quilate das usadas pelo meliante da mais ínfima estofa.

 

A isto sucederam-se os pasquins nos quais a honra alheia era retaliada de uma maneira asquerosa e bárbara, porquanto nem mesmo as dignas mães de família foram respeitadas.

 

Nesta obra de mérito cooperou principalmente um patife que acode pelo nome de nina de tal, tipo de escória, tuberculoso físico e moral, e que por um destes adventícios da sorte, chegou a ser oficial de polícia em tempos idos, e conseguindo reforma é hoje um dos depauperadores dos cofres públicos do Estado.

 

Diante de todos estes fatos, que dia a dia(sic) mais se agravam, o digno Dr. Juiz Municipal resolveu partir  com sua Exma. Família para São Luís, até mesmo porque o Governo do Estado demitiu o capitão Máximo Santos, do cargo de Delegado que com muito critério exercia, e nomeou em substituição o indivíduo Raimundo Martins, tipo desclassificado e dado a embriaguez, o que é até da mais pública notoriedade.

 

Ausente o íntegro Juiz e no exercício da Delegacia o dito Martins, as correrias, depredações, esbordoamentos e prisões sucederam-se todos os dias de um modo assombroso.

 

Outra coisa entretanto, não se podia esperar de um ébrio consumado no cargo da Polícia e sem as peias de uma autoridade superior que se impusesse pela integridade e força moral.

 

 

CONTINUAÇÃO DOS DESMANDOS

 

Corriam já os últimos dias de fevereiro quando assoalhou-se a notícia de que o Congresso Estadual ia julgar ou havia julgado nulas as eleições procedidas e que reconheceria Manuel Nunes como Intendente e seus amigos como vereadores, arranjo político da mais ínfima estirpe desde que a votação respectiva, ao tempo do pleito, deixou-os numa minoria esmagadora.

 

Enquanto isto e já em março, aportou a estas plagas o Professor Cardoso, convidado desde o ano anterior para dirigir um estabelecimento de instrução e para a fundação de um jornal “a ordem”, achando-se desde meses na vila, todo o material tipográfico bem como os acessórios para o Externato, tudo a cargo do seu filho Othon Cardoso, já de residência fixa nesta infeliz Arari.

 

Também desde dias aí se achava o famoso Tenente Justino Cunha, o indigno soldado, principal ator – galã – em todas as tragédias levadas a efeito.

 

Chegou com pés de lã, aconselhando a entrega do arquivo da Intendência e Câmara, porque dizia ele: O Congresso havia reconhecido os Nunes e seus amigos e o Governo o comissionara para efetivar a posse deste.

 

Aceder às rogativas hipócritas desse desbriado, hospede (sic) e comensal do próprio Nunes com quem concertou todos os planos revoltantes, era despenhar-se da pianha do Direito; era deixar calcar aos pés as mais sagradas garantias constitucionais.

 

Assim os eleitos e empossados mantiveram uma resistência totalmente pacífica. Recusaram-se somente à entrega dos arquivos, devidamente documentadas, recorreram ao meio legal – o habeas corpus -, suplicando-o ao primeiro magistrado federal residente no Estado.

Neste tempo, mês de abril, saia (sic) a luz da publicidade A ORDEM, semanário que, totalmente alheio ao movimento político, foi fartamente distribuído por gregos e troianos, após a inauguração entre as mais festivas alegrias.

 

Quem diria nessa hora que poucos dias faltavam para a mais absoluta anarquia ter ingresso na vila!!

 

De fato, na madrugada de 12 de abril citado desembarcava na rampa Herculano parga um contingente de polícia composto de 21 praças, embalado; reforço pedido e fornecido ao sicário Justino Cunha, o cínico e desmoralizado tenente que, covardemente, nega hoje os altos feitos de então.

 

Surgiu o sol nesta manhã e a azáfama do dia começou triste entre a população da vila, parecendo que um pesar profundo espalhara-se no coração de todos.

 

Este trevoso presságio tinha legítimos fundamentos.

 

Pela(sic) nove horas, mais ou menos, o peripatético Tenente com o acompanhamento de dez praças e muitos populares da facção Nunes, Belisário, Juaca, começou a violação dos domicílios, sem lei, nem termo, em buscas ilegais e arbitrárias, à procura dos livros da Intendência e da Câmara!!

 

A primeira vítima foi o Sub-Intendente Cap. Benedito Pereira. Penetraram na casa de sua residência e percorreram-na toda sem reserva, nem respeito a sua digna família.

 

Em seguida, o mesmo fizeram nas casas dos Srs. Intendente Capitão Herculano Ericeira, do capitão José Leão Chaves – Adjunto de Procurador da República -, e na residência de outros cavalheiros, dando-se em todas minuciosas buscas e com o máximo desrespeito aos donos dos lares violados!

 

Uma atmosfera de terror abocanhou toda a população. Os pais tremiam por seus filhos, as esposas desoladas choravam por seus maridos e enfim uma cena pungentíssima, de dor, de receio e de temor imenso, se desdobrava nas casas daqueles que eram considerados desafetos da situação justiniana.

 

Enfim é indiscritível (sic) o assombro destes infelizes habitantes. Alguns que dispunham de recursos emigraram para o interior, outros, trancaram-se em casa e sofreram até privações por não poderem efetuar na rua a compra de gênero para a sua manutenção!!

 

Porém, mais e muito mais se planeava ainda, e no capítulo seguinte serão relatadas outras monstruosidades postas em prática.

 

O 14 DE ABRIL – A REINTEGRAÇÃO

Depois das cenas que vimos de narrar ocorridas no dia 12, sucedeu-se no dia conseqüente, uma calma extraordinária.

 

Até a soldadesca que infrene percorria as ruas, tomou quartel, transpirando porém, o motivo que era: ser o dia 23, o da eleição para o cargo do primeiro magistrado da Nação.

 

Apesar dessa tranqüilidade (toda aparente podemos afirmar) não se fez na vila eleição alguma, salvo se adotaram o sistema já bem conhecido do bico de pena, coisa que não se admira porque estava no exercício de juiz o trêfego João Ribeiro, tipo que bem se sabe ser o polichinelo do mestre Juaca.

 

Na manhã de 24 subiu a vila acompanhado do sargento Inácio de tal e de duas ordenanças, o celebérrimo Justino, em passo apressado. Em chegando ao quartel, formou a força, dispôs parte dela no corpo da guarda de prontidão; deixando alguns soldados na porta da cadeia e dirigiu-se para casa do referido Raimundo Martins, local onde sempre se reuniam os do conluio.

 

O digno Intendente Cap. Herculano Ericeira achava-se então em casa do Sub-Intendente Cap. Benedito Pereira, há dias de residência na parte assobradada do edifício onde está a cadeia pública, e calmamente conversava sobre assuntos de seu particular interesse.

 

Momento depois descia as escadas do sobrado e seguia rumo de sua casa.

 

Mas, ao passar na porta da cadeia, foi cercado pelos praças que lhe deram voz de prisão e o recolheram ao mais imundo dos cômodos ali existentes, apesar dos seus protestos nos quais alegava ser Capitão da Segunda Linha do Exército, exibindo até a cautela da sua patente!

 

Logo iniciou a movimentação agressiva da soldadesca, efetuando-se prisões a esmo, sem consideração alguma as posições sociais dos cidadãos, nem as regalias dos seus cargos e postos!

 

E ao mesmo tempo que isto faziam, foi posto cerco à casa do Professor Cardoso, proibindo-se a entrada ou saída de quem quer que fosse, de modo que este, seu filho Othon, sua nora e uma netinha passaram o dia sob os tormentos da fome e o suplício de Tântalo!

 

Ao próprio Agente do Correio, Cap. Raimundo Simphronio que aí fora entregar correspondência postal, foi tolhida a entrada, chegando mesmo as praças a afirmarem – prendê-lo caso ali voltasse!

 

A cadeia encheu-se de presos e todos estes eram serventuários municipais, inclusive o Presidente da Câmara.

 

Assim decorreu o dia.

 

A noite, quando pelas nove horas mais ou menos, o Professor Cardoso ia agasalhar-se com a família, viu, ao fechar uma das janelas da sua casa de residência, grande grupo de populares na porta da cadeia e, receando qualquer atentado, recomendou a seu filho que fechasse com segurança todas as portas. Isto feito, volta-se novamente à mesma janela afim de verificar o destino tomado pelo aludido grupo e nesse momento foi surpreendido pelo ataque de dois indivíduos que pretenderam arrancá-lo para fora da casa. Conseguiu entretanto livrar-se das garras aduncas dos seus agressores, mas quando fechava o trinco da janela, a porta da rua, e as do interior eram arrombadas, e soldados e paisanos na atitude de verdadeiros canibais lhe invadiram a casa, quebrando e esbandalhando tudo, inclusive a tipografia e um instrumental pertencente a banda dirigida por seu citado filho Othon, ao mesmo tempo em que agrediram fisicamente a ele, este e demais pessoas da família!!

 

Os gritos dos assaltantes, o estrondo das portas a cair, o ruído das cacetadas no(sic) móveis, nas bancadas tipográficas, no prelo e nos instrumentos de música, produziram um concerto infernal, ouvido em toda a vila. E após o estrago completo em tudo, até na louça do serviço de família, atiraram ao rio o prelo, tipos, e uma boa parte dos instrumentos de música, roubaram alguns móveis, muitos livros de direito e até dinheiro das malas que foram criminosamente e descaradamente violadas!

 

Alguns móveis foram encontrados no dia seguinte em casa do juiz João Ribeiro que com o máximo cinismo disse have-los (sic) tirados do rio.

 

Os livros referidos, até hoje, dormem debaixo de coberta enxuta em casa do celebérrimo Juaca.

 

 

Mas, de par com essas depredações jamais vistas no nosso país, ainda agarraram no mesmo momento o Professor Cardoso e seu filho Othon e os conduziram para a cadeia (casa vizinha) e pretendiam ali dete-los(sic), ainda que bastante feridos. Não levaram, entretanto, a efeito porque aquele não se acorbadou; estigmatizou em alta voz, em brados, ouvidos pela maioria da vila, o façanhudo Tenente Justino, vergonha da Milícia estadual, até pelos próprios galões que lhe grudaram no punho.

 

Então, com o maior descaro, este patife de facão, temendo a responsabilidade da sua tétrica empresa, declarou com ares do mais indecoroso servilismo, estar próprio para prestar-lhe garantias!

 

É o cúmulo do cinismo!

 

O Professor Cardoso e seu filho Othon recusaram a oferta, seguiram logo para Vitória e aos ilustres Doutores Juiz de Direito e Promotor Público da Comarca fizeram cientes de todo o ocorrido.

 

No dia conseqüente regressaram, vindo também o Promotor para, de viso, ver os estragos feitos no interior da casa violada.

 

Este, ao chegar, foi assediado pelo tal Tenente que chegou a prender os dois soldados que acompanhavam o ilustre funcionário desde Vitória.

 

Ao professor Cardoso, aguardava nova surpresa. Encontrou a casa de sua residência toda trancada e só por intervenção do promotor aludido para obter a chave, exigindo-se-lhe que lavrasse e assinasse uma declaração de desistência de um corpo de delito que disseram ter feito (em sua ausência!!) na dita casa.

 

Tandando o resultado do habeas corpus retro mencionado e achando-se preso desde dias o Intendente, o Presidente da Câmara e outros funcinários, todos sob as forças caudinas de vexames e privações, resolveram finalmente fazer a entrega dos arquivos e esta efetuado, foram postos em liberdade, prosseguindo, entretanto, na vila, a série intérmina de desmandos e tropelias.

 

E quando os sinos bimbalhavam anunciando as homenagens à instituição do Santíssimo Sacramento (dia 17 de abril do dito ano de 1919), consumava-se a prepotência da governança estadual em detrimento da soberania do povo e de estatutos legais, porque nessa hora o senhor Manoel Nunes assumia a gestão da Comuna, como Intendente, sem ter sido eleito e sem poder sê-lo, porque é analfabeto; não sabe ler nem escrever, apenas ferra o nome e pessimamente.

 

Mas, Deus escreve direito por linhas tortas, e assim breve foi a alacridade do espírito curto e trêfego do empoleirado.

 

O habeas corpus foi concedido e o mesmo governo que o mandou ascender indevidamente, no alto posto do Município foi quem o compeliu (mês de agosto) a descer da cadeira a que o guindara!

 

O tempore! O more!

 

 

PROSSEGUEM OS DESMANDOS – ÚLTIMA TRAGÉIA

 

Apesar a vitória do Direito sobre a ilegalidade reinante, e da retirada do façanhudo Justino Cunha, a vila continuou sempre na ebulição dos desmandos.

 

O cancro fora extraído, mais (sic) ainda ficaram raízes, isto é, a Intendência e a Câmara foram reintegres aos eleitos legalmente, mas continuavam no cargo: João Câncio Ribeiro, o prevaricador suplente de juiz; Luiz Serra Carneiro, adjunto de promotor, tipo igual ao delegado Raimundo Martins e como este habituado ao vício do álcool.

 

Assim, além do mais, o estado econômico e financeiro da Comuna andava à matroca.

 

Só pagava imposto quem queria, porque a recusa desse dever era propagada com intensidade e o Prefeito não tinha garantias dentro do município.

 

O próprio Manuel Nunes ainda deve quase um conto de réis, e, como de costume, só quer pagar com desconto ou abatimento, e até hoje nem mesmo prestou contas do dinheiro público recebido durante a sua ilegal gestão.

 

Aconteceu ainda que a Comarca foi suprimida e portanto mais difícil e moroso tornou-se qualquer recurso que necessário fosse perante as autoridades da sede.

 

Desta forma, prosseguiram as diatribes, mais se acentuando após a chegada de um Tenente Guadêncio, indivíduo totalmente incipiente e que esposou logo a causa dos desordeiros, dando azo a que o famoso Chico Ribeiro, os filhos do citado João Ribeiro, os do escrivão João Etelvino e os demais arruaceiros, Theodoro Batalha, Carmerino de tal, Pedro Alcântara Fernandes, vulgo Pemba, os famosos Nina e Gentil de tal e outros, todos comparsas nas pugnas retro descritas, dessem largas as suas calhadas.

 

No dia 31 de outubro do ano findo aniversariou o Cel. Lucídio Fernandes, estimado chefe político local, e diversos cavalheiros da vila de Vitória vieram ao Arari cumprimentá-lo.

 

Entre estes contou-se o Dr. Demonstenes (sic) Macedo, ilustre íntegro e estimado magistrado, presentemente em disponibilidade em virtude da supressão da sua Comarca.

 

E quando à tarde, este cavalheiro, digno da máxima consideração sob todos os pontos de vista, passeava pela vila em companhia do Cel. Lucídio, do seu irmão Thiago e outros, foi brutalmente agredido em plena rua, pela camarilha da desordem sob a chefia do asqueroso Chico Ribeiro.

 

O fato deu-se bem em frente a cadeia pública onde havia uma guarda que portou-se em absoluto entranha a tão assombrosa selvageria, porque o aludido Tenente Guadêncio, num aceno feito aos soldados que se apresentaram para o socorro, os manteve na porta do quartel.

 

Além dos vários ferimentos feitos pelos agressores na vítima escolhida para...”. (Assim termina o livro. João Batalha tece a seguinte explicação, na página seguinte, de número 33):

 

 

Explicação

 

Como dito, na apresentação, a última pagina estava danificada, razão porque deixamos de transcreve-la. Sabe-se, contudo, que o autor fazia referência de censura a Pemba Fernandes e Raimundo Martins, chamando-os de desordeiros e denunciando-os de terem agredido determinado cidadão (não lembramos o nome) a tiros de revolver, em frente à residência do árabe Pedro Abas que dera guarida à vítima, evitando a consumação de um delito maior. O organizador.

 

 

COMENTÁRIOS DE HILTON MENDONÇA, À OBRA SUPRATRANSCRITA

 

 

 

Este é Thiago Josè Fernandes, patrono da cadeira n° 39, da Academia Arariense-Vitoriense de Letras. Nasceu em 1880, tendo por pai Pedro Leandro Fernandes, e mãe, a dona Benedita Raimunda Chaves Fernandes.

 

A obra mostra um homem culto, de larga visão dos direitos fundamentais e do processo civil, habitando a vila do Arari, isso antes dos anos vinte!

 

O vernáculo utilizado por ele no livrinho acima reproduzido é dos melhores, razão pela qual fiquei impressionado com a cultura dele, inserto que estava em uma Arari do começo do séc. XX, onde a maioria dos políticos locais mal sabia “ferrar o nome”.

 

O eminente Thiago, de visível timidez, nos informa que Arari, bem antes de o padre Brandt ali chegar, já editava jornal e possuía banda de música! Não fora Thiago Fernandes o grande influenciador cultural do padre brandt?

 

Não pude conter o riso, entretanto, em muitos dos trechos por ele escritos, diante da forma hábil e talentosa com a qual manejava a retórica mais culta para desclassificar, menosprezar e ferir desafetos políticos.

 

Já no começo do livrinho, ele emprega esta requintada gozação: “Descansa em paz MANUEL NUNES, pois melhor fora teres aprendido a ler.”

 

Realmente, é uma obra que merece boa leitura dos conterrâneos ararienses.