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Pe. Brandt, sob meu olhar
Pe. Brandt, sob meu olhar
PADRE BRANDT, SOB MEU OLHAR.
 
Conheci o padre Clodomir nos anos finais da década de 1960, ainda bem jovem, e dele fui aluno e coroinha; aluno, assisti a aulas de francês; coroinha, a ele servi vinho por não mais do que meia dúzia de vezes. Missas celebradas por ele, assisti perto de uma centena. Em uma das cerimônias do lava-pés, lá estava o imortal sacerdote diante de mim...
A figura brandtiana não se firmara, em Arari-MA, apenas como autoridade divina, como educador, jornalista e escritor; padre Brandt fora também político e pecador.
Como autoridade divina, o padre amedrontava. Naqueles anos, não víamos nele a figura normal de um ser humano, posto que se achava vestido com a batina do poder extraterreste. Tão-somente frases do tipo “Lá vem o padre” eram suficientes para incutir sérias preocupações.
O exercício desse poder alienígena, no entanto, fora conquistado à custa de dois tipos de medos, que dele emanava: um, o medo divinal, que estava colado na aura sacerdotal, por representar ele a ilusória salvação ou condenação das suas ovelhas; o outro, o medo da violência, da qual pe. Brandt cotidianamente fizera uso contra indefesos alunos, desta feita acumulando a função de educador, também. Um caso que testemunhei ficou registrado na variável independente da minha mente, ao tempo em que fui aluno do Colégio Arariense. Estávamos todos no recreio por volta do ano de 1976, quando avistamos o padre no pátio, com um molho de longas chaves na mão, próximo do banheiro masculino. De lá, ele trazia, segurado pela orelha, o aluno chamado Caluca. Descontrolado, o padre xingara o aluno e desferira uns cascudos no pobre coitado, e o pusera de joelhos, na metade do pátio, próximo à lateral que dava acesso ao campinho de vôlei. Pegou o molho de longas chaves e iniciou uma violenta agressão a Caluca, batendo na cabeça do colegial várias vezes, com aquele monte de chaves. Desesperado, o aluno dizia: “padre, não foi eu; não foi eu”. Ao fim, eu vi o sangue na mão de Caluca, que passara a mão na cabeça e vira seu próprio sangue derramado por aquela autoridade divina...
O padre educador usou e abusou da violência contra inúmeros alunos, principalmente contra os filhos dos desafetos políticos...
Nessa atuação multifuncional, o padre sabia quem eram os cristãos mais assíduos e identificava aqueles que não frequentavam a igreja, para futuros puxões de orelhas neles, via alunos, filhos dos não-praticantes. Vi isso acontecer com um colega de turma. Em dado momento, a ele o padre fizera um questionamento sobre religião, cuja resposta foi um não sei, fato que, entre outras coisas, levou o padre a chamar um aluno à frente e ordenar: “toca a mão aqui, na Bíblia, pra tu sentires a palavra de Deus”. Foi constrangedor testemunhar mais essa forma de coação moral daquele jovem que não costumava ir a missas; nem ele nem toda a numerosa família dele.
Certa vez, ao passar pelo corredor da secretaria, resolvi dar uma badalada no sino que ficava pendurado bem na entrada daquele corredor. Assim que o sino tilintou, o padre surgiu, de repente, e lançou a mão em minha direção, tendo eu me abaixado, mas ainda peguei um tapa, de raspão, na parte de trás da cabeça, que me projetou para frente, e, nesse embalo, eu já saí correndo em disparada, rumo à minha sala. Contava eu 14 ou 15 anos. Hoje, esse fato me soa engraçado.
É de bom alvitre ressaltar que padre Clodomir teve 50 (cinquenta) anos para fazer o excepcional trabalho que fez, como educador, em Arari-MA. E, nesses anos todos, o padre influenciou várias gerações a trilhar bem pelo caminho dos livros. Nessa área, ele foi um gigante. Teve a sensibilidade e a sabedoria de introduzir as aulas de oratória, cujo objetivo maior era retirar dos alunos o medo de falar em público, de se expressar em auditórios.
O padre preencheu o vazio de muitos alunos com a música, tendo implantado uma escola, regida pelo maestro Zé Martins por muitos anos. Abriu a casa dele para receber e educar homens de vários municípios, sob a força dos dois tipos de medos já aqui mencionados.
No campo político, lembro da emocional disputa eleitoral que envolvera pe. Brandt e Biné Abas, ao cargo de prefeito. Um avião arremessara papéis sobre a cidade, e eu, junto com uma turma de garotos, corréramos pelo campo próximo do Igarapé Nema, recolhendo aquelas folhas amarelas e azuis, com uma foto do padre, usando óculos. Os torrões de barro, os pés de malvas, de algodão e de capim não nos impediam de recolher o máximo de cartazes da campanha política daquele pároco.  Como político, nada, praticamente, o padre pôde fazer por Arari, já que a opção dos eleitores da época foi por eleger Biné Abas. Arari viu Mindubim, administrador municipal; não viu padre Brandt, gestor daquela Gleba. O quê Arari perdeu por não haver eleito pe. Brandt prefeito?
O padre Brandt-educador e o sacerdote-escritor são as figuras que reputo mais importante. As obras dele sobre as Famílias Ararienses são grandiosas para aquela ribeira arariense do Mearim, e essas obras vão durar bem mais do que a influência educacional dele, em Arari. Eu mesmo pude me beneficiar do estudo que ele fez sobre os meus ascendentes, tendo eu identificado 200 (duzentos) anos de existência dos meus parentes mais remotos, de sobrenome Mendonça. A contar dos meus filhos, são 7 (sete) gerações de Mendonças que Clodomir me ajudou a identificar, com a monumental pesquisa que fez.
O monsenhor Brandt foi também “empresário” das comunicaçõesararienses. A implantação de uma gráfica o fez editar o jornal Notícias, integralmente redigido pelo padre, com notável sabedoria. O padre-jornalista conseguira, com o jornal, mostrar que era possível circular ideias em duas pequenas folhas, e levá-las ao conhecimento de gregos e troianos (padristas e barriguistas). Além disso, a publicação do Notícias motivou o surgimento de outros jornaizinhos, que acabavam por forçar o aparecimentos de mais redatores. A redação arariense, então, ganhara adeptos com Clodomir Brandt e Silva.
Com o passar dos anos, o padre foi perdendo a autoridade que detinha. Uma outra face do sacerdote passou a ser comentada mais abertamente: a face pecadora do padre Brandt. Arari, que apenas sussurava as condutas sentimentalmente ilícitas do padre, agora comentava abertamente sobre a vida amorosa dele. Uma ex-aluna dele me relatou que fora assediada por ele, nos anos 1970, narrando detalhes do ato imoral, desabonador e criminoso. Clodomir estava proibido, pelas leis eclesiásticas, de se envolver sentimentalmente com mulheres, mas essa lei ele violou. Outras duas leis - a lei moral e a lei penal - também proibia o então sacerdote Lhelheco de ter relações sexuais com quem quer que fosse. Quando entrevistei Zé Caiçara, pelos 100 (cem) anos que completara, aquele centenário, em determinado momento da nossa conversa disse: “Aquele padre era um sacana; morreu uma mulher, ele botou outra”. Gravei toda a entrevista, mas ao publicá-la, optei por não reproduzir essa declaração.
Clodomir Brandt e Silva foi um padre de muitas faces; umas nobres e belas; outras, hediondas e pecadoras. Se, apenas por conjectura, existir um julgamento final de almas e Clodomir estiver a salvo das “santas” garras de Lucifer, então, caro leitor, tanto eu quanto você também estaremos...
Texto de autoria de Hilton Mendonça, produzido a pedido do intelectual arariense José Fernandes, para futura inclusão em livro daquele ilustre escritor. Ouso, entanto, disponibilizá-lo, em primeira mão, aos seguidores da minha página, já que Zé não me censurará gravemente por isso. São Luís-MA, 31/12/2010.